4-2-2025
Passado, presente e futuro, declamação de um poema "Sexto Olhar", atuação musical dos alunos do conservatório, reflexão de como é ser um louletano e como é viver em Loulé, visita aos laboratórios da ABC e às habitações no Vale das Rãs: foram os principais momentos para celebrar os 37 anos de Loulé a elevação a cidade, no dia 1 de Fevereiro.
Em vez das tradicionais inaugurações ou dos balanços políticos que costumam marcar a data, a Câmara Municipal de Loulé decidiu celebrar o dia de uma forma diferente, dando a palavra aos cidadãos, ouvindo a forma como veem e sentem a cidade, e como esta evoluiu nos últimos anos, a sua relação afetiva com a terra e os sonhos para o futuro. Seis louletanos (de nascença ou de coração) trouxeram para o debate uma reflexão sobre a cidade que é sede do maior concelho algarvio, sendo eles a escritora Lídia Jorge, Nélson Ponte, responsável pelo café Delfim, Horácio Ferreira, homem do andor da Mãe Soberana, Carmo Afonso, documentadora da RTP e Sérgio Leite, professor do Conservatório de Música de Loulé.
«Loulé é uma cidade conhecida por ser habitada e vivida ao longo de muito tempo por gente com uma forte autoestima. É isso que nos faz ir mais longe, aceitar a nossa diferença coletiva, e que nos permite hoje, num mundo sombrio, ter esperança quanto ao futuro», disse o autarca Vítor Aleixo na abertura desta mesa-redonda, moderada pela jornalista Elisabete Rodrigues.
Até à década de 60, Loulé era uma vila com escassas infraestruturas e uma forte emigração (quem saía já não regressava), mas com a chegada da democracia “deu-se o movimento oposto”, recordou a escritora Lídia Jorge, uma das convidadas desta iniciativa.
«Não só as pessoas começam a gostar de viver em Loulé, como esta se torna uma pátria de acolhimento para pessoas que vêm de toda a parte da Europa e do mundo. Loulé hoje tem um rosto completamente diferente daquele que tinha nos anos 60», notou esta ilustre filha da terra.
Lídia Jorge trouxe à memória de todos a antiga vila de artificies e artesãos, marcada «pelo ruído dos caldeireiros nas ruas a bater nos metais», a “praça”, a Mãe Soberana, o Carnaval, o ciclismo e, nas Artes e nas Letras, o nome de António Aleixo como “um selo da cidade”.
«A população sempre foi de grande vitalidade, com uma inquietação, uma vivacidade, uma movimentação e uma genica especial que nos fazia pensar que havia aqui uma espécie de sangue espanhol», assinalou a escritora.
Memórias mais recentes desse tempo em que Loulé ainda era vila tem a jovem investigadora e médica, Helena Guerreiro. Com uma carreira fora do país, e depois de ter vivido em cinco países, regressou recentemente a Loulé para integrar o projeto do ABC – Algarve Biomedical Center na cidade.
«Há mais de 20 anos atrás, quando comecei a estudar, era impensável fazer investigação aqui. O ABC permitiu-me voltar e fazer o que fazia fora. Permitiu trazer para o Algarve algo que é fundamental para fixar talento, um espaço onde os jovens podem desenvolver as suas ideias, tentando trazer a investigação o mais próximo das pessoas», explicou a coordenadora do Imaging Lab by ABC. Destacou a pertinência para a região do trabalho que está a ser desenvolvido pela instituição, por exemplo na área do envelhecimento, que mostra bem a vontade de fazer do Algarve “algo mais do que o turismo”.
A Mãe Soberana é um elemento indissociável do ser-se louletano e, neste debate, não poderia faltar um dos rostos deste culto mariano. Durante 40 anos, Horácio Ferreira transportou o andor da Nossa Senhora da Piedade e garante que a genica e vitalidade dos homens do andor “advém do facto de serem de Loulé”. Para ele, a Mãe Soberana «é o fio condutor e o elo de ligação dos louletanos», sejam católicos ou não.
Nélson Ponte, empresário da restauração, adquiriu recentemente um espaço icónico da cidade, o Café Delfim, precisamente por ser louletano e pelo amor à sua terra, «e não tanto pela questão economicista e oportunidade de negócio».
«Era o último bastião louletano, o espaço onde encontrávamos toda a gente independentemente do estrato social e faixa etária. Isso é tão difícil encontrar numa cidade hoje em dia e Loulé ainda tem essa magia», considerou. Neste momento, o espaço está a ser alvo de uma profunda intervenção e espera-se que volte a ser ponto de encontro na cidade.
Não é louletano de nascença, mas já o é de coração. Sérgio Leite dirige o Conservatório de Música de Loulé “Professor Francisco Rosado” desde 2019 e, neste debate, falou do “poder transformador” para a cidade e para os alunos daquele que é o «o único Conservatório em Portugal continental e Ilhas que nasce público». Com um trabalho com alunos dos 6 aos 18 anos, o Conservatório tem uma oferta que inclui a formação em 21 instrumentos e canto, o que poderá ter impacto para criar músicos profissionais na região, nomeadamente para dotar a Orquestra do Algarve de elementos naturais da região.
De uma infância vivida na Serra do Caldeirão, numa altura em que a eletricidade ainda aqui não tinha chegado, à vida adulta em Lisboa, a advogada e cronista Carmo Afonso destacou o facto de Loulé ser uma cidade “que sempre acolheu muito bem”.
«Loulé é uma cidade que continua a ter lugar para toda a gente. Combina modernidade com raízes. Absorve quem está de passagem, absorve ventos novos, culturas, mas ao mesmo tempo continua ligado a uma raiz preciosa para a cidade», notou.
E quanto ao futuro? A crise demográfica e a falta de habitação preocupa os participantes nesta mesa-redonda mas, por exemplo, o empresário Nelson Ponte acredita que Loulé tem todas as condições para ser “a capital do turismo do país”. Já Horácio Ferreira é da opinião que se deve dar um passo em frente e apostar no turismo religioso e na criação, em Loulé, de uma “Fátima pequenina”.
Para Lídia Jorge, “desenvolvimento e identidade” estão de mãos dadas. A escritora reconheceu o trabalho coletivo dos sucessivos autarcas que foram acrescentando e que contribuíram para que Loulé seja hoje esta cidade.
«É bom criarmos uma espécie de senadores da cidade, aqueles que deram o nome ao desenvolvimento», disse.
Na área cultural e da criatividade acredita haver aqui «matéria viva para se fazer algo grande». No entanto considerou que existe uma lacuna: «Olhando para a vitalidade extraordinária falta-nos o espelho, falta-nos imprensa, mais comunicação, um canal de televisão, como de resto falta em todo o Algarve», notou ainda a escritora louletana.
No 37º aniversário da cidade de Loulé, ainda durante a manhã, o executivo municipal e convidados visitaram dois espaços do ABC na cidade: o Edifício Outreach (Rua do Cemitério), que integrará um laboratório de genética, banco de células do cordão umbilical, centro de investigação de entomologia e seroteca, e o Centro de Simulação Cirúrgica do ABC (Rua Quinta de Betunes).
Para terminar a comitiva teve a oportunidade de visitar o andar-modelo da Urbanização Clona, em Vale de Rãs, um dos principais investimentos da Estratégia Local de Habitação de Loulé. São 64 fogos (T1, T2 e T3) que se encontram em faz de conclusão, num valor de 12 milhões de euros, e duas lojas. Para quem quiser candidatar-se aos apartamentos, poderá fazê-lo na loja da Habitação, localizada em frente à Câmara Municipal de Loulé.
Fotos: Cátia Rodrigues
Estrela Do Amanhecer