4-6-2025
Aos 104 anos, Dona Apresentação Dias continua a surpreender pela lucidez, memória e espírito bem-humorado. Um testemunho de história e uma vida dividida entre São Brás de Alportel e Lisboa.
Natural de São Brás de Alportel, vive atualmente na Santa Casa da Misericórdia local, onde é mais do que uma residente: é uma verdadeira “princesa” da casa, como ela própria afirma, com a sua habitual dose de alegria, diálogo e charme.
Numa entrevista ao Estrela Do Amanhecer, com a companhia de Dona Conceição, residente com 112 anos, de Anabela, diretora técnica da Santa Casa, de Dona Eulália Pereira, encarregada geral e de Júlio Pereira, provedor da instituição, repleta de episódios da sua longa vida, Dona Apresentação falou do passado com a leveza de quem sabe rir das dificuldades.
O Estrela Do Amanhecer foi recebido por todos os mencionados com muita simpatia, carinhos e uma grande vontade de ajudarem a contar a história da Dª Apresentação.
Filha de sapateiro e barbeiro, cresceu numa família humilde. Recorda o pai a guardar os escassos dez escudos do dia numa caixinha de pó de arroz e com esse dinheiro via o que dava para mandar comprar. Ainda assim, a infância foi feita de figos apanhados, das duas figueiras que o seu pai tinha alugado, ao nascer do sol e de idas à escola onde, conta com um sorriso orgulhoso.
Tinha cinco irmãos, duas raparigas e três rapazes, e conta que o seu pai nunca lhe tocou, mas à sua irmã já foi diferente, sendo ela dois anos mais velha.
«Passava sempre de ano», afirmou Dona Apresentação com um sorriso.
Nunca festejou o seu aniversário como agora. Antes, chamava as amigas a casa, enchia a mesa e assim eram as comemorações, mas desde que integrou-se no lar, começou a festejar todos os anos com direito a um bolo.
Aos 20 anos saiu de São Brás rumo a Lisboa, onde casou com Mário Azedo, um tipógrafo.
Viveram décadas juntos, mas nem tudo foi fácil: «A minha sogra era tramada», conta, relatando um episódio em que foi acusada injustamente de roubar um lençol.
Apesar de tudo, construiu uma vida em Lisboa com o seu marido durante 50 anos, que era da capital, mas nunca teve a oportunidade de ter filho, como gostaria. Trabalhou na costura e no alfaiate, e manteve sempre o gosto pela leitura. Atualmente, apesar das dificuldades, ainda lê sem óculos “As Notícias de São Brás” do início ao fim e discutia as crónicas com entusiasmo.
Entre histórias e conversas, confessou o momento e, que viveu do 25 de Abril de 1974. Conta que viu os militares a andarem na rua, nessa altura estava à janela, mas disseram-lhe para apagar a luz e manter tudo fechado. Mas não soube explicar as diferenças, porque não saia muito.
Recorda-se, ainda, na altura em que começou a namorar, futuro marido, era raro haver beijos, «lá ia um à despedida».
Entrou no lar aos 101 anos, depois de muitos anos vividos entre saudades do Algarve e memórias de Lisboa. Hoje, Dona Apresentação é uma figura central na instituição. É ela quem faz as apresentações nas festas que se realizam na Santa Casa, quem participa ativamente na vida da casa, e quem inspira colaboradores e visitantes com o seu espírito resiliente.
«Não esperava chegar a esta idade», diz, quando se lhe pergunta o segredo da longevidade.
A alimentação simples, o gosto por sopa, e uma certa distância do açúcar talvez ajudem. Mas há mais: um olhar generoso sobre a vida e uma enorme capacidade de adaptação.
«Já sofri muito, mas cá estou», acaba por dizer Dª Apresentação, no fim da entrevista.
Anabela, diretora técnica da instituição, emocionada, descreve-a como «uma das jóias da casa», elogiando a entrega e o afeto que Dona Apresentação dá e recebe. Anabela, acrescenta, «não é apenas um lugar onde se vive: é uma família».
Em tempos em que tanto se discute o envelhecimento e os cuidados aos mais velhos, histórias como a de Dona Apresentação lembram-nos que cada idoso carrega um mundo dentro de si — feito de histórias, de memórias, de afetos. E que merecem não só respeito, mas também escuta.
A Dona Apresentação e a Dona Conceição são as protagonistas e as "rainhas" e "princesas" da Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel, ambas dão a alegria e a animação ao lar. Um exemplo de simplicidade, de humildade, de orgulho, de memórias e de longevidade. A verdade é que têm histórias "para dar e vender", cheias de memórias do antigamente. Um testemunho de uma vida.
São mais de 70 funcionários, que no dia-a-dia, fazem o que podem para ajudar aqueles que precisam e sempre preocupados quando regressam às suas casas a pensar se ficam bem ou não. Mas a verdade é uma, todos os residentes recebem o carinho e a disponibilidade de todos eles.
Fotos/Texto: Cátia Rodrigues
Estrela Do Amanhecer