1-7-2023
Jiu-jitsu, uma arte marcial com história, de luta, de divertimento, de bom ambiente e modernizada, mas também uma aprendizagem em cada treino. Muitos podem ter ouvido falar, mas poucos saberão os seus verdadeiros princípios, que perduram das gerações anteriores. Um exemplo de escola que tem dado que falar entre os adeptos desta arte é a Five Elements situada em Faro.
A tradição tende a perder-se e os princípios tornam-se muitos vagos para quem assiste de fora, está a perder-se a capacidade de olharmos a sociedade com os valores que antes eram valorizados, sendo as artes marciais vistas vistas e praticadas muitas vezes como uma brincadeira.
Na realidade, as artes marciais passam princípios de conquista através do mérito, com defesa pessoal, com filosofia, treino duro, onde é preciso haver espírito de sacrifício, de honra, lealdade entre colegas e professores, e conquistar algo que leva o seu tempo, pois só levamos o “prémio” se formos merecedores de tal feito, com conhecimentos adquiridos, treino de resistência e conscistência na aprendizagem, por mais lenta que seja.
No caso do Jiu-Jitsu há normas que se deve ter em mente tais como o autoaperfeiçoamento técnico, de combate e especialmente do individuo perante a sociedade. Para além disto, na 5EJ há uma filosofia a ter em conta, como o código 753, que inclui as sete virtudes do guerreiro (Bushido), cinco passos para a saúde ou os três estados da mente, desenvolvido pelos irmãos Valente.
A Five Elements em Faro existe desde o dia 1 de Julho de 2020, e é uma filial que provém da antiga Royce Gracie Portugal, onde mantém a ligação ao primeiro campeão de UFC e grande representante da família Gracie. A Five Elements foi criada por Hélio Perdigão, Miguel Rodrigues e José Pedro Brás, e surgiu da necessidade de dar um novo rumo ao projeto. Estes professores de Jiu-Jitsu têm escolas em Lisboa e Portimão, entre outras filiais pelo país e Europa.
O significado de Five Elements é a filosofia do Jiu-jitsu- Código 753, golpes traumáticos- a capacidade de controlar, aplicar, e colocarmo-nos perante a agressão, aquilo que acontece numa luta de verdade. Depois tem a defesa pessoal contra ataques surpresa, como se reage a certas situações evitando a agressão. Por fim, as projeções- transições de pé para o chão, e a famosa luta no solo- a mais popular característica. Tudo isto faz parte dos fundamentos históricos do Jiu-Jitsu e a sua evolução ao longo da História.
Em 2020 nasceu uma nova escola construída por Carlos e a sua equipa.
Mas antes de tudo se realizar, o proprietário conta ao Estrela Do Amanhecer a sua história para chegar até aqui.
Carlos interessou-se por artes marciais desde pequeno, com 7 ou 8 anos, por influência de filmes, Vandamme e Bruce Lee. Com a negação dos pais para a prática do Karaté, acabava por brincar nesse sentido com os amigos. Só começou a treinar Kick Boxing anos mais tarde, aos 15, e depois de 2 anos dedicou-se mais ao ginásio por força dos horários profissionais em alojamento de hotelaria. Treinou esporadicamente boxe ou Kick Boxing nos ginásios onde treinava mais com pesos, teve atividades profissionais como segurança privada também, mas só a partir de 2010 voltou às artes marciais mais focado, e ingressou na Elite Defesa Pessoal do Algarve.
Depois de ser introduzido ao trabalho de chão pela primeira vez, sentiu dificuldades, o Kick Boxing não salvava, e então começou a pesquisar a história associada aos termos de "Jiu-Jitsu". Sabendo a história da família Gracie e com a atenção despertada pelas exibições da década de 90 do Royce no UFC, experimentou pela primeira vez, em Julho de 2012, Jiu-Jitsu num seminário do Royce Gracie em Lagoa. A partir daí teve sempre uma boa relação com o seu professor José Pedro Brás, e mais tarde foi a essa base que prevaleceu para abrir a Five Elements, em Faro.
«Eu apaixonei-me (pelo Jiu Jitsu), porque gostava de luta e sentia a necessidade de novas experiências. Quando tinha brigas em miúdo na escola houve situações em que me dei mal e outras em que me dei bem», recorda Carlos, professor e responsável da Five Elements.
O professor recorda-se, ainda, que essas brigas, quando dava-se mal, não contava a ninguém o que tinha acontecido, era frustrante. Foi através da arte marcial que hoje pratica e ensina, que conseguiu compreender melhor a natureza da luta e desenvolveu mais autoconhecimento juntamente com todas as pesquisas e literatura associada.
Nesses quatro anos iniciais em Lagoa houve uma altura que teve que parar de treinar, por não conseguir conciliar com a vida pessoal, até que percebeu que tinha que haver mudanças por mais difíceis que fossem: deixar Lagoa e os colegas. Mas descobriu uma academia em Faro para manter a direção das suas necessidades e objetivos que tinha.
Começou uma vida nova na academia, começou a correr atrás do conhecimento para poder evoluir, e quando recebeu a faixa roxa em 2017 mostrou vontade em dar aulas para contribuir para a evolução da academia onde estava. Mais tarde mudou-se para Faro, e foi aliciado a investir na academia onde estava, o que acabou por correr mal e desencadear desentendimentos depois de o ter feito. Com o fator do covid em 2020 essa academia acabou por ter um fim para Carlos, e após o primeiro lockdown, abriram-se as portas da Five Elements, apesar de ter tido convites e sondagens de outras academias. Mas a ligação com José Pedro e o passado era mais forte, era aquilo com que se identificava.
Para treinar Jiu Jitsu é necessária motivação, disciplina e saber que alguns treinos podem não correr bem, não vamos gostar da nossa performance. Não é um processo focado para ganhar faixas. As faixas são meramente informais neste desporto, de forma a haver uma hierarquia com os princípios que vão aprendendo, com as etapas e desafios ao longo do tempo.
«Nós (professores) podemos motivar até certo ponto, não me compete a mim buscar o aluno que está no sofá. Eu posso mostrar o caminho que deve fazer, mas quem o percorre é ele», referiu Carlos.
«As faixas estão lá para assegurar que as pessoas passaram as etapas que deviam passar, então nunca devem ser facilitadas. Quando são facilitadas a banalização do Jiu Jitsu começa, e isso fere o orgulho de todos e da arte mais tarde», refere o professor.
Para além dos princípios, há outras tradições que estão presentes , como por exemplo o uso do kimono.
O kimono é uma tradição importante a manter e dá nos argumentos técnicos com roupa e isso é bom para a defesa pessoal e para o seu lado estético, mas a luta sem kimono (No-Gi) demonstra enquanto não temos a armadura só o nosso corpo é que pode executar, vendo-se nessa situação melhor quem sabe lutar.
Neste desporto existe o tratamento igual por igual, a união, a demonstração de lealdade para com os outros e dar o exemplo em cada treino de acordo com as regras da escola.
Se a tradição não se manter, acaba-se por perder o equilíbrio do próprio desenvolvimento. Se se esquecer de fazer a saudação no início de cada luta ou de cada aula, por exemplo, esquece-se que é uma aula e deixamos de perceber que existe hierarquias e procedimentos a manter. Uma escola deste género não pode ser comparado com um ginásio.
Carlos sente-se orgulhoso de ser professor na Five Elements, apesar de se recordar da fase inicial difícil, pois não tinha nada e tinha sido prejudicado no projeto anterior e com o covid. Agora aquilo que tenta fazer é conseguir o desenvolvimento de todas as áreas na estrutura da escola, mantendo-se com saúde para levar este desporto para a frente.
Esta é uma arte ideal para todas as idades, sobretudo uma mais-valia para os jovens, de modo a fortalecerem-se, não terem medo de serem agarrados quando confrontados, ou de serem projetados, caírem, podendo-se levantar depois e ficarem por cima.
«Hoje as pessoas, na sociedade, estão muito frágeis, a ficar muito fracas, qualquer coisa cedem a pressão e pode haver problemas reais associados a isto, mas se olharmos um bocadinho Às gerações do passado (…) não havia tempo para pensar nos dramas sociais de motivos muito pequenos.»
Desde 2020 já houve muitas histórias e já passaram muitos alunos, alguns desistiram e muitos ficaram e até hoje se destacam.
A escola tem crescido desde a abertura e o número de alunos também, seja em termos de homens, mulheres ou crianças. No início havia só uma a duas mulheres a treinar, agora existem 15 ativas, no lado dos homens não está a ser diferente, cerca de 60 ativos e 30 crianças ativas.
No futuro espera-se manter as bases e haver mais aulas sem kimono, dependendo da estrutura e da formação dos instrutores, pois todos os instrutores são formados e têm que ter a cédula profissional de treinador, além de estarem alinhados e dentro dos princípios, dos parâmetros que a escola defende e de quem suporta a exigência.
Carlos espera, ainda, trabalhar mais nas aulas avançadas para o desenvolvimento de atletas, espera que a escola tenha a sua continuidade com as melhores condições para os alunos e espera arranjar um espaço ainda maior e com mais qualidade.
A escola já participou em algumas competições, em que são levados alunos que querem investir e se querem destacar. Tem tido resultados positivos. Mas esta escola não funciona só pelas competições.
«Uma escola de Jiu-Jitsu está muito além dos resultados desportivos. Se tenho bons resultados desportivos ótimo. As coisas que fazem realmente uma boa escola é o que se vive, o que se testemunha e o que é propagado através da palavra».
Nesta escola existe várias aulas ao longo da semana, desde fundamentais, avançadas, Open Mat, treinos de kimono e No-Gi, e turmas de crianças com 4-7 anos e 8-13 anos.
Como mensagem final, Carlos deixou duas mensagens para quem quiser treinar e para quem quer continuar.
«Eu sugiro que as pessoas quando tem a ideia de vir treinar Jiu Jitsu, vejam como um investimento e que tenham alguns cuidados. Tem que haver a possibilidade de a pessoa, pelo menos na primeira experiência, ter a melhor informação possível e a melhor perceção de onde está e com quem. A minha primeira mensagem para quem quer começar é que nem tudo o que parece bom é de facto. Para aqueles que querem continuar mas estão parados... eu não sei a história de cada um, mas venham treinar, vão ver que vale a pena. Treinar Jiu Jitsu faz-vos bem», conclui o professor.
Esta arte é um passar da palavra e Carlos acredita que dá o seu contributo e a energia em todas as aulas que realiza, não só de valorizar os princípios que se vão ficando para trás, mas por reconhecer as falhas deste desporto e a tentativa de colmatá-las, de melhorar a arte e daqui serve para a orientação para o desenvolvimento da escola.
Turma numa das aulas da Five Elements
Texto/Fotos: Cátia Rodrigues
Estrela Do Amanhecer